Encontrei ha pouco um texto muito interessante que me foi enviado por email.
Refere entre outros, mais meus conhecidos, o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin que afirmou, no final dos anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem
obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem ser consideradas relações propriamente sociais.
Como eh muito longo vou po-lo a sua disposicao como 17 comentarios a este post. Uff! E mesmo muito grande.
Tem ideias que nos renovam a vida e toda a maneira de pensar.
Preparando-nos para surfar na crise/papao que nos impingiram.
Ainda estou a meditar sobre ele. Vamos ver no que isto vai dar.
Sorria e que todos os seus mais belos sonhos se tornem Realidade!
17 comentários:
Amigos da Rede, um texto picante para este momento deste grupo, pra todos refletir sobre redes, campanhas políticas, a liberdade dentro do movimento da permacultura, questão autoral, etc ! Boa leitura ! Ju Riciardi
Desobedeça
Augusto Franco
Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos
anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem
obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem
ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e
bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito
“sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados.
Como assim? – perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias
heterodoxas (e perigosas) vicejassem, seria o caos!
E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana, duas décadas depois, ousou
declarar que o *liderazgo* (a liderança), o xodó das teorias empresariais
que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa, posto que “*el
liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia autonomía reflexiva
y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a sus directrices o
deseos...”* (1).
Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as
conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-las
no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a fenecer,
para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de múltiplos
mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída. Embora
anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como “redes de
conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob o influxo das
visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes. Cabe a nós,
que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus *insights* geniais à
luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do *netweaving* .
Sim, *netweaving* . Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua
primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um *netweaver* é, por
definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente, caminha fora
dos trilhos já estabelecidos por alguém.
Mas a quem você deve desobedecer?
Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes de um
velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo,
mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes, que
são muitos, merecem ser destacados aqui: os ensinadores, os codificadores de
doutrinas, os aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os
fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.
*DESOBEDEÇA aos ensinadores* , que dizer, à burocracia privatizadora do
conhecimento: aquela casta sacerdotal que constitui as escolas e academias.
Essas instituições geraram e continuam gerando um tipo curioso de agente que
proliferou na modernidade: o colecionador de diplomas, que julga as outras
pessoas pela sua capacidade de se enquadrar nos processos de ensinagem em
vez de avaliá-las pela sua capacidade de aprendizagem. Os diplomas são,
então, um reconhecimento e uma validação do conhecimento ensinado e não do
conhecimento aprendido. Tendo perdido o monopólio do conhecimento (se é que
algum dia tiveram-no) as universidades tentam ainda reter em suas mãos o que
lhes restou: o monopólio dos diplomas.
Há também os que – por fora dos sistemas formais de ensino - se intitulam
(ou são por alguém intitulados) mestres. Alguns são ordenados para tanto,
quer dizer, têm reconhecida, *sempre* por uma organização hierárquica, sua
capacidade de reproduzir uma determinada ordem *top down*. E querem então
imprimi-lo, emprenhá-lo, ou seja, enxertar suas idéias-implante em você,
para que você se torne também um transmissor desse “vírus”.
Desobedeça a esses caras. Aprenda o que você quiser, quando quiser e do
jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que aprendeu
com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus conhecimentos
nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas instituições que
sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo caminhos obrigatórios,
cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe o acesso; ou, ainda,
nos livros submetidos à normas odiosas de *copyright*. Conhecimento trancado
apodrece.
E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o
“mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa
mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em
interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como
todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos,
fuja dos “mestres”!
*DESOBEDEÇA aos codificadores de doutrinas*, que são todos aqueles que
querem pavimentar, com as suas crenças religiosas (e sempre o são, mesmo
quando se declaram laicas), *uma* estrada para o futuro. Eles produzem
narrativas ideológicas totalizantes para que você veja o mundo a partir da
sua ótica, quer dizer, para que você não veja os múltiplos mundos
existentes, mas apenas um mundo (o mundo arquitetado e administrado por
eles: uma prisão para a sua imaginação).
Quando são (explicitamente) religiosos, os codificadores de doutrinas
fornecem a justificativa para a ereção de igrejas e seitas. Quando são
políticos, urdem a base conceitual para a formação de correntes e grupos de
opinião onde a (livre) opinião propriamente dita não conta para quase nada:
o que conta é a ortodoxia de uma opinião oficial ou canônica, a qual tentam
autenticar apelando para a revelação ou para a ciência. Em todos os casos
são engenheiros miméticos, manipuladores de idéias que inventam passado para
legitimar certos caminhos (e deslegitimar outros) para o futuro. Fazem isso
para controlar o seu futuro, para levá-lo (a sua alma ou o seu corpo) para
algum lugar supostamente melhor, para um paraíso no céu ou na terra, quando,
eles mesmos, não podem conhecer tal caminho (simplesmente porque não existe
*um* caminho).
Desobedeça a essa gente. Não entre em suas armações, não replique seus
discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus vaticínios e ameaças e
ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos trilhos que eles
assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles cavaram para fazer
escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo isso: faça o seu
próprio caminho.
*DESOBEDEÇA aos aprisionadores de corpos*, que não contentes em usar,
comprar ou alugar, sua inteligência humana (que não tem preço), querem
também mantê-lo cativo, fisicamente, nos seus prédios ou cercados. São
feitores: antes usavam o chicote; hoje usam o relógio ou o livro de ponto, o
crachá magnético ou o banco de horas. Nas empresas ou organizações
hierárquicas, sejam privadas ou públicas, seqüestram seu corpo para manter
você por perto, para poder vigiá-lo, para terem certeza de que você está de
fato trabalhando para eles (que coisa, heim?). Não precisavam fazer isso se
o seu objetivo fosse o de articular um trabalho coletivo compartilhado. Mas
o objetivo deles não é, na verdade, compartilhar nada com outros seres
humanos e sim controlá-los- e-comandá- los, em certo sentido desumanizá-los,
embotando sua inteligência, castrando sua criatividade, alquebrando sua
vontade, para poder usá-los como objetos, para terem-nos disponíveis, sempre
à mão, tantas horas por dia: querem um rebanho de servos de prontidão para
lhes fazer as vontades. Se quisessem que as pessoas trabalhassem *com*-eles
e não *para*-eles não seria necessário – na imensa maioria dos casos –
aprisionar os seus corpos: bastaria estabelecer uma agenda conjunta, com
tarefas e prazos.
Desobedeça a esse pessoal. Monte seu próprio empreendimento individual ou
coletivo compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio
sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio. Sim,
você é capaz. A evolução investiu quatro bilhões de anos desenvolvendo seu *
hardware*, que é igualzinho ao daquele cara esperto que quer capturá-lo e
aprisioná-lo e que ainda por cima tem a desfaçatez de alegar que está
fazendo um bem para a humanidade por lhe oferecer um emprego.
*DESOBEDEÇA aos construtores de pirâmides*, que são os que erigem
organizações hierárquicas de todo tipo para mandar nos outros e obrigá-los a
fazer (ou deixar de fazer) coisas contra a sua vontade ou sem o seu
consentimento ou assentimento ativo. Desobedecer significa também abrir mão
de mandar. Você é capturado pelo jogo perverso da obediência quando quer que
as pessoas lhe obedeçam.
Desobedeça a esses chefes, em primeiro lugar, cortando o barato daquele
“construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você: não faça patotas,
não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação de juntar “os
seus” e separá-los dos “ dos outros”, mas – para quem quer fazer redes – é
absolutamente necessário. E, sobretudo, *abra mão de querer mandar nos
outros*. Em vez de arquitetar organizações tradicionais, a partir de
organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou trabalho, teça
redes: quase tudo que se organizou até agora de forma hierárquica (com
estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de rede (com estrutura
distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando-e-controle.
Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de
comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um período
(que não pode ser muito longo, do contrário você estará bloqueando seu
desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas sempre resistindo. Isso
significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as vontades, vamos dizer
assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo, subserviente, serviçal.
Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo. Não fique na penumbra,
recuado, servindo de escada para ele subir ou se destacar. Não faça o jogo.
*DESOBEDEÇA aos fabricantes de guerras*, que são, *stricto sensu*, os chefes
militares e, *lato sensu*, os que pervertem a política como arte da guerra e
os que se entregam à competição adversarial tendo como objetivo destruir
seus concorrentes. São, todos, predadores. O predador é uma máquina de
converter o semelhante em inimigo. Mas é preciso considerar que não existem
inimigos naturais ou permanentes: toda inimizade é circunstancial e pode ser
desconstituída pela aceitação do outro no próprio espaço de vida, pelo
acolhimento, pelo diálogo, pela cooperação. Assim, *o (único) inimigo que
existe mesmo é o fazedor de inimigos*.
Na civilização patriarcal e guerreira viramos seres cindidos interiormente.
O predador é um produto dessa quebra da unidade sinérgica do simbionte (que
poderemos ser no futuro, se anteciparmos esse futuro). Preda porque quer
recuperar, devorando, suas contrapartes, num ritual antropofágico em busca
da unidade perdida (aquela *origem que é o alvo*, para usar a expressão de
Karl Kraus). É por isso que nos apegamos tanto à guerra do bem contra o mal.
Mas o problema, como disse Schmookler, é que *o recurso da guerra é em si o
mal* (2).
Desobedeça a esses hierarcas. Recuse-se a entrar em organizações militares
ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a entrar em qualquer
organização política de combate, que pregue que o bem só será alcançado com
a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente como adversário em
princípio: em princípio todo ser humano é um potencial parceiro de outro ser
humano, não um inimigo.
Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que
elegem inimigos para ser eliminados, física, econômica, psicológica ou
politicamente. A ética do *netweaver* é uma ética do simbionte, não do
predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha de
travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo estará
gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer dizer, de
fazer redes.
*DESOBEDEÇA aos condutores de rebanhos*, que são, em geral, os líderes que
alcançaram popularidade pelo *broadcasting* para guiar as massas. Algumas
vezes esses líderes são carismáticos e se dedicam a mesmerizar multidões em
comícios, reuniões e manifestações. Ou pela TV e pelo rádio. Quase sempre
são pessoas “pesadas”, que usam sua *gravitatem* em benefício próprio ou de
um grupo, para reter em suas mãos o poder pelo maior tempo que for possível,
transformando os outros em seus satélites. E odeiam os princípios de
rotatividade ou alternância democrática. Considere que, do ponto de vista
social (ou coletivo, da rede), o modo intransitivo de fluição que gera o
fenômeno da popularidade do líder de massas é uma sociopatia.
O liderancismo é uma praga que vem contaminando as organizações de todos os
setores: segundo tal ideologia, a liderança só é boa se não puder ser
exercida por todos, só por alguns. Assim, não se deve estimular a
multi-lideranç a, senão afirmar a precedência da mono-lideranç a, do líder
providencial e permanente, a prevalência do mesmo líder em todos os assuntos
e atividades, como se essa – a liderança – fosse uma qualidade rara, de
origem genética ou fruto de uma unção extra-humana.
Desobedeça a esses líderes. Não os siga para parte alguma. Não se deixe
conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo cabresto como se fosse uma
cavalgadura. Não existem guias geniais dos povos. Nos sistemas
representativos, as pessoas que você elegeu são seus empregados (mandatados
pelos eleitores), não seus patrões.
Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação humanizante
entre as pessoas: transformam gente em gado, em contingente moldável e
manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se desse rebanho.
“Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam olhando para cima de
boca aberta, esperando pelas benesses de um salvador (pois o simples fato de
pertencer a elas já é um indicador de exclusão, quer dizer, de incapacidade
de pensar por si mesmo e de andar com as próprias pernas). Toda pessoa, se
estiver disposta a desobedecer, será um alguém (com nome reconhecido) fora
da massa, não apenas um número em uma estatística. Toda pessoa que
desobedece, em um mundo ainda infestado por organizações hierárquicas, é um
ponto fora da curva: alguém único, singular, insubstituível como você.
Isto posto, é tudo.
Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos que
se levam muito a sério e que se acham responsáveis.
*VOCÊ DEVE DESOBEDECER ÀS LEIS?*
De uma maneira geral, você nunca deve obedecer a pessoas, sejam elas quais
forem. Dizendo de uma forma ainda mais ampla: você nunca deve obedecer a
nenhuma individualidade portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou
extra-humana, seja ela qual for.
Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às normas
da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as leis.
Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos
livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em leis em
um processo democrático.
Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é
o império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a
pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.
Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis
de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer
legitimidade.
A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios
democráticos: a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou
alternância), a legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter
sido eleito para ter legitimidade.
Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras
clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor
escala, por democracias parasitadas por regimes manipuladores.
Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos que
violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E esteja
preparado para arcar com as conseqüências, é claro.
Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo
realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência pacífica
das pessoas em uma sociedade.
*VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS DIRIGENTES DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS A QUE
PERTENCE?*
Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve pertencer a
organizações que não tomam a democracia como um valor.
Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode
aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma
coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de
instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é
legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão
com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de
sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada
tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por
concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento.
Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de
disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos
participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram.
Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em
virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos
têm o direito de não acatar decisões.
Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e
punição; e fidelidade imposta *top down*, são virtudes de sistemas
autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática
for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais “virtudes”. As
razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as
organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de
prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão
voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece” (ou melhor, acata) quem
concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (*stricto
sensu*) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e,
como tal, um comportamento antidemocrático.
Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido
“forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir
seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização
contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho
para a democracia: a democracia é o caminho...
*VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS SEUS PATRÕES?*
Outra objeção freqüente diz respeito à obediência àquele que paga o seu
salário: como você pode não-obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?
Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe *para* alguém e sim *com* alguém.
Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é necessária.
Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos alguém
você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para sentir
esse sopro criador só há uma via: desobedeça!
Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça! Uma pessoa
(qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais do que a bosta
de um emprego.
É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou,
dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro,
para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não
aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar
com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas
pelo seu esforço e pela sua inteligência) . Aí o chefe fica contente e mantém
tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas) . Se o chefe ficar
muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção do
"colaborador" que lhe fez tão bem as vontades.
Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para promover
uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora, para poder
ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e desenvolver esses
talentos. Essa é uma característica central daquele tipo de inteligência
tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma inteligência que
cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha, com a colaboração.
Uma inteligência colaborativa.
Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras pessoas
que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão renunciando, em
alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente humanas. O diabo é que
os funcionários burocráticos e outros empregados ou prestadores de serviços
em organizações hierárquicas já introjetaram tão fundo as idéias que
sustentam tais práticas, que o hábito, já não diria de servir, mas de ser
serviçal, se instalou no andar de baixo da sua consciência e emerge como uma
pulsão. Freqüentemente eles se escondem para promover seus superiores, tendo
medo, inclusive, de proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um
artigo em um blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de
comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se vestir
de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua própria
humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la como
poderiam.
Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo conscientemente) ,
em troca do emprego ou da contratação. Argumentam que se não obedecerem e
fizerem a vontade dos chefes, perderão a remuneração sem a qual não terão
como viver. Mas dá no mesmo. Se, para sobreviver, uma pessoa precisa castrar
suas potencialidades, então tal sobrevivência não poderá ser digna. Um
trabalho que deixe de promover o desenvolvimento humano de quem trabalha não
pode ser digno.
Os chefes, por sua vez - como aquele *senhor de escravo, escravo do escravo,
* a que se referia Hegel, em outros termos - também estão aprisionados neste
círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas ideologias do
comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais *se não for assim, as
coisas não funcionam*. De que alguém tem sempre que liderar - quer dizer,
deixando a frescura de lado e traduzindo em bom português: *mandar nos
outros* - para que uma ação possa ser realizada a contento. Por isso não se
adaptam à cultura e à prática de rede, onde não é possível mandar alguém
fazer alguma coisa contra a sua vontade.
É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio tremendo
em um mundo ainda infestado, em grande parte, por organizações hierárquicas.
Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre esse
interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma coisa que
fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas.. .
hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que usando
as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu poder
ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino pelo tal
"marketing viral", de resto uma vigarice).
As organizações hierárquicas - em termos do ser coletivo que se forma,
diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram - não vêem as redes como
fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou humanizada pelo
social, e sim como meio para alguma coisa não-humana. Sim, *organizações
hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos*. A afirmação é forte,
mas não há como dizer de outro modo se quisermos ir ao coração do problema.
Entenda-se bem: as pessoas continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que
se forma não será, posto que não será 'social' (naquele especialíssimo
sentido que Maturana empresta ao termo).
*QUEBRANDO O CÍRCULO VICIOSO DO PODER*
Em que medida você tem coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências?
A resposta a essa pergunta define o seu campo de liberdade e de
possibilidade.
Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão,
reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação e
morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas para
desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a vida de
terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você deve
avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve deixar
de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude, vamos dizer
assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se abaixe, não se
deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado, não colabore
(voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes de qualquer
coisa, resistir.
Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as
grandes correntes de humanização do mundo. Quando você cede, sujeitando-se a
alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo),
contribui para desumanizar o mundo e a você mesmo.
O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você
vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto
de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na
sua vida.
Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao
obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando- se nas dinâmicas dessas
organizações, você está, na verdade, subordinando- se a seres não-humanos.
Ordem => hierarquia => disciplina => obediência => +ordem...
Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela
saudável desobediência.
Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as
grandes correntes de humanização do mundo. Quando você cede, sujeitando-se a
alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo),
contribui para desumanizar o mundo e a você mesmo.
O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você
vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto
de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na
sua vida.
Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao
obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando- se nas dinâmicas dessas
organizações, você está, na verdade, subordinando- se a seres não-humanos.
Ordem => hierarquia => disciplina => obediência => +ordem...
Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela
saudável desobediência.
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