quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Carta a Carlos Castro

Querido Carlos



Quando me falaste em eu ir passar a consoada em tua casa respondi-te logo que nao. Sou neta de um declarado "herege" mas filha de catolicos. Por isto o Natal sempre foi uma comemoracao discreta e calma, por toda a minha infancia.
As comemoracoes natalicias quinquilheiras, dos ultimos tempos, dao-me vontade de fugir. Ficava sempre com montes de coisas giras; mas inuteis a encher, ainda mais, as gavetas.
Entretanto pensei, como agora faco para avaliar da importancia das coisas na minha vida, se eu estivesse no meu leito de morte ou a outra pessoa morresse, eu gostaria de ter feito isto?
Informei-te Carlos que afinal ia, porque tu eras muito importante para mim. Esta ida a tua casa foi a unica excepcao ao meu retiro calmo e frugal durante as festas. Aproveito esta epoca para meditar, desintoxicar e escrever. Saindo de casa apenas para ir `a ginastica.
Foi muito agradavel estar com as tuas irmans, o Guilherme e o Claudio.
Todos encantadores. E pessoas brilhantes.
Fiz "asneiras". Ai! Comi bacalhau e aqueles doces deliciosos. Mas compensou o mal que fariam com o Bem que souberam.
E depois trocamos um daqueles nossos olhares, de completa verdade, quando me surpreendeste com um presente de produtos de beleza todos com ingredientes naturais e de agricultura bio.
Achei estranho que apesar de estares socialmente divertido e correcto, te notar, no fundo, tao triste e amargurado.
Costumo oferecer abracos terapeuticos a amigos e conhecidos. Mas tenho de explicar antes que sao: abracos sem desejo, tal como um pai ou uma mae reconforta o filho que fez um doidoi.
Contigo nao foi preciso repetir esta lengalenga para o abraco ser logo compreendido e aceite.
Perguntei-te, frente a toda a gente, no meio da sala "queres um abracinho?"
Tu, como um menino pequenino, acenaste logo que sim com a cabeca. E ficaste ali afundado nos meus bracos ate te sentires com forcas para voltar ao mundo. Pediste-me mais dois abracos, durante aquela noite. Ate que alguem estranhando (nao e' costume as pessoas andarem a reconfortar-se com abracos durante uma festa) te ou nos perguntou "que namoros sao esses?"
Tu recompuseste a imagem socialmente aceitavel. Envergonhado?
Senti que estavas a precisar de miminhos.
Nao entendi a tua amargura interior quando me tinhas falado daquela linda relacao romantica que estavas a viver.
Gente apaixonada tem o chacra do coracao resplandecente.
Ao tal rapaz denominei-o "Ele do Carlos Castro", quando fiz o vosso tema astrologico no pc.
Disseste-me varias vezes durante a consulta telefonica, que o Claudio Montez te tinha dito o mesmo que eu. Foi no dia 21 de novembro. Avisei-te da possibilidade de violencia. Que se alguma vez se zangassem... devias abandonar o local ate' tudo acalmar.
Pois plutao, saturno e marte podem ligar-nos ao Grande Mal. E cada um de no's contem a Totalidade do Universo dentro de si.
Insisti, nessa noite de Natal que devias viver plenamente esse amor tao lindo. Que nunca tinha visto uma relacao gay ser tao romantica. Que os jovens teem uma cabeca muito menos complicada do que os crescidos. Que deixasses de te ralar com a diferenca de idades. Que aproveitasses com gratidao o amor lindo que me relataste.
Sempre me surpreendeste com a tua capacidade de acreditares em estranhos e deixar-te magoar. Como o desgosto que tiveste, quando a outra maluca inventou que tinha cancro e rapou a cabeca.
Os teus amigos conheciam o Renato melhor que eu.
Nenhum deles estava muito convencido dessa vossa relacao.
Se calhar apenas inventaste a relacao que gostarias de ter tido.
Eu acreditei em ti.
Pouco do que nos contam agora bate certo com o que me tinhas dito. Nem a faculdade onde ele estudava, sequer.
Porem o bonito foi que depois da troca de presentes despedimo-nos todos, eu, tuas irmas e teus amigos, com aqueles grandes abracos coracao com coracao.

Ainda voltamos a falar quando te agradeci o jantar.
Continuavas sem ter o chacra do coracao resplandecente.

Tinha ficado surpreendida com a qualidade dos produtos naturais que me deste e estava `a espera que voltasses de NY para te dar os parabens pela excelente escolha.
Afinal tenho de to agradecer assim.

De agora para a frente nao quero saber mais nada desta historia toda.
Passei a manha a ver tv, em que tudo isto foi esmiucado. Fiquei com azia pela primeira vez na vida.
Quanto mais se mexe no Mal mais tudo fede.
Prefiro guardar para mim a memoria da agradavel zona da tua totalidade, que me tocou viver.
Felizmente reatamos a nossa amizade. Depois de todos os equivocos, invejas e mentiras, que como um furacao, rodeavam a eleicao dos Mais e Menos Elegantes que faziamos nos anos 80 do seculo passado.

E ate' acho que ha' dias me enviaste divertido, uma piscadela de olho e um daqueles teus acenos de mao, que queriam dizer "nao te rales".
Depois de teres saido de cena com um "grand finale": dramaticamente assassinado num grande hotel em NY.
"Grand Finale" este que te tornou celebridade global.
Referido apenas como um "famoso jornalista portugues".
Tu que abominavas ser reduzido pela classificacao de "cronista social".
Apesar de eu te ver e sentir, acima de tudo como POETA.

Ate sempre, Amigo!
Mas entretanto sempre que precisares recebe muitos:
bj, miminhos e abracinhos para ti, querido Carlinhos

3 comentários:

O Caçador de Segredos disse...

Adorei a carta de despedida... ou uma carta que grita amizade.
Relações inventadas tão reais que doí no corpo ou relações reais que deveriam pertencer ás páginas de um romance.
Sem julgamentos e sem moralismos.
Sendo poeta da vida, partiu com estrondo, o estrondo da brutalidade e com o estrondo de quem não passou indiferente por este mundo.

Maria Afonso Sancho disse...

Deia
Obrigada pelas suas bonitas palavras.
Reli agora a carta que escrevi ao Carlos nequele dia. E fiquei com lagrimas nos olhos.
Ele ajudou tanta gente. Não percebi tanta raiva quando diziam que ele tinha estragado a vida a muitos. Ele em casos delicados nem sequer escrevia os nomes dos envolvidos.
Vim aqui por ter encontrado a carta que o CC deixou ao Miguel Villa.
Partilho-a aqui a seguir:

Maria Afonso Sancho disse...

"Para um dia...

Aos 7 de Fevereiro de 2010, faço como fiel depositário e proprietário, cerca de 10.000 slides de tudo o que se possa imaginar. GENTE deste país e do mundo que tive a honra de conhecer, entrevistar. LUGARES nunca imaginados que eu tantos dias, tantas noites, passeei, viajei, dei os meus passos dos dias, com alegrias e por vezes tristezas.

Estes slides retratam toda uma época (1977/2000) faz parte do meu percurso enquanto profissional do jornalismo. Aqui está toda a gente deste país. Muitos já partiram, outros, ainda aí estão. Alguns, esquecidos do tempo em que "o Carlos Castro dava uma mão sem nada receber em troca".

Deposito todo este valioso espólio a uma pessoa que considero, tal como eu, amigo das boas gentes, dos artistas e dos lugares. O MIGUEL VILLA fica assim como herdeiro universal destas imagens maravilhosas, algumas dramáticas, todas elas verdadeiras.

É a este homem que gosta e ama os artistas e toda a classe de PESSOAS boas deste país a quem entrego este depósito.

Um dia, quem sabe, outro dia, eu já cá não esteja, alguém se lembre de dizer que afinal "o cronista social que tanto teimaram denegrir" tinha muito mais para dar e mostrar. Mas o medo, a vergonha, a inveja, o ódio e esse MOSTRENGO português que nunca mais acaba, faz esquecer e matar as suas PESSOAS.

Camões escreveu e bem INVEJA na sua última palavra como que o grito de um povo que continua miseravelmente a não saber conviver, aceitar e tolerar.

Tenho a consciência tranquila. Tomara intelectuais, jornalistas, passassem, conhecessem, pelos lugares onde estive e apertasse a mão de GENTE notável. Mas eu nada sou.

Sinto que o meu tempo acaba. Dentro em breve. Manuel Rovisco tinha tanto talento. Inconformado e incompreendido. Abandonado tantas vezes. Lembro-me tanto da sua partida porque não queria estar num "país de gente tão cinzenta".

Hoje, aos milhares que me deviam ter dito OBRIGADO eu deixo as minhas eternas palavras de continuar a SER POR FORA O QUE SOU DENTRO DE MIM.

Lisboa 7 de Fevereiro 2010-02-07.

Carlos Castro"