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A Dra. Ana Maria Salazar Leite morreu a 21 de Dezembro passado.
Voltaram-me muitas memórias da infância e adolescência.
Apesar de eu, desde os meus 10 anos, nunca ter entendido (seria dos tempos de ditadura?...) a sua ausência de respeito pelos direitos humanos, a sua caótica noção de justiça e os porquês de ela embirrar cruelmente com a minhas colegas "menos ricas", estou-lhe muito grata por me ter facultado os meios que me permitiram acabar o liceu e poder entrar na universidade. Maugrado sendo sobredotada.
Ser um génio é outra coisa: convencionou-se há poucos anos que são só aqueles que aparecem e alteram o rumo do conhecimento. E são muito raros.
Ainda hoje ter muita inteligência é algo que complica a vida aos portugueses. Ela entendia o meu caso. E eu, em 15 dias estudava a matéria dada durante todo o ano lectivo. Na "passagem" que ela fazia para os alunos atrasados, eu lá conseguia passar de ano dentro dos 12/ 14. Se estivesse numa escola pública certamente não teria acabado sequer o liceu.
Já sei que dos mortos se deve sempre falar só bem... Mas eu sou uma sobredotada, desculpe lá. ;-) Bizarrias nossas.
E aquela frase, do tipo balde de água fria, em que ela banalizou o eu ter sido admitida na Mensa- the High I.Q. Society é bem expressão daqueles tempos cruéis:
-"Pois. Tu e o Jorge Peixinho foram, desde sempre, os meus alunos mais inteligentes."
Podia ao menos ser correcta e primeiro ter-me dado os parabéns! :-(
Este famoso compositor era sobrinho da minha professora de piano: Judite Rosado. Ele visitava a tia e intimidava-me. Achava-o um senhor muito crescido que tinha uma carreira brilhante na música internacional. Tinha eu uns 5 ou 6 anos.
Todavia nunca me agradou a música dele. Hoje acho-a até do pior que há para a saúde, como tanta outra. Mas tem o grande valor ao nível da busca intelectual e artística.
Andei a fazer uma pesquisa na net. Já existem por cá umas entidades que se dedicam a crianças, como eu fui.
Eu não era uma terrorista como muitos hoje. Naquele tempo não havia lugar para terroristas nas escolas. Tinha de sobreviver!
Era antes uma menina muito bem comportada e socegadinha. Que assistia admirada às agressivas dinâmicas de grupo que iam acontecendo à minha volta. A mim deixavam-me em paz. Tinha tido uma tal reacção quando tentaram meter-se comigo que nunca mais me incomodaram. Até as vítimas das crueldades dos professores ou dos colegas, costumavam aproximar-se de mim, pois sabiam que as deixavam em paz estando comigo.
Achava horrível as cruéis reguadas e ponteiradas. Não gostava das brincadeiras (estava só poucas horas na escola portanto podia brincar à minha vontade em casa). Mas gostava de trocar ideias. Então as partidas achava-as apenas um mero e cruel abuso de poder. Completamente idiota.
Se contavam algo credível de forma credível porque é que troçavam se alguém acreditasse na história inventada? Ou porque troçavam se alguém se assustava por lhe pregarem um susto? Qual é o gozo de magoar ou de fazer sentirem-se mal as outras pessoas por serem como são?
Claro que com estes princípios escolares... eu tinha de me vir a interessar pelos direitos dos humanos e dos animais.
Nos livros que li sobre sobredotados revi-me. Especialmente no meu desinteresse pelas escolas. Reconfortou-me saber que na maioria preferimos estudar sozinhos. Ser autodidatas. Na verdade eu prefiro estudar com mestres a ser autodidata. Ainda hoje prefiro sempre estudar apaixonada e exaustivamente qualquer assunto que me interesse. Se quero aprender sobre algo procuro informação. Fico dias ou semanas ou meses ou anos a estudar até apreender o padrão dominante. Um padrão que se aguente, seja o assunto tratado de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou de esq para a drt ou viceversa. Assim dou-me por satisfeita. Consegui chegar à essência da coisa. Já esgotei aquele assunto e portanto posso dedicar-me ao próximo que me interesse.
Quando leio aquelas perguntas de qual o seu livro de cabeceira ou o seu autor preferido... eu teria mesmo muita dificuldade numa resposta. Escolho os livros pelo assunto. À noite vou à estante e escolho 5, 10 ou 15 livros sobre o assunto que me interesse. Depois chego a ler dois ou três livros numa noite. Consulto outros. Sublinho todos para da próxima vez bastar-me ler os sublinhados. Compro outros livros. Quando visito alguém procuro sequiosamente nas estantes livros sobre estes assuntos. Vou a bibliotecas. E para finalizar falo com especialistas nos assuntos, para tirar dúvidas e arrumar bem as ideias. Além de fazer as pesquisas na net. Mas que não são muito de fiar, diga-se em abono da verdade.
Parece que o maior desafio dos professores é mesmo serem capazes de fornecer suficiente informação para o sobredotado se manter interessado na aprendizagem.
E tem de ser o interesse do sobredotado a guiar os estudos.
Mas parece que continuam a não existir leis adequadas que nos facultem a oportunidade de saltar anos ou entrar para a universidade muito jovens. Nem uma Mensa Portugal existe! Devemos ser um dos poucos no 1º mundo e o único país da Europa em que isso acontece. Sintomático.